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domingo, 19 de janeiro de 2014

CLONES 3

Sem haver consenso nem mesmo entre os próprios cientistas, a clonagem humana para fins reprodutivos encontra restrições em diversos países. Muitos, como a Austrália e o Canadá, ratificaram a proibição da prática. Nos Estados Unidos, no dia 26 de abril último, um senador e um deputado republicanos 

apresentaram projetos de lei que tornam ilegal a clonagem de células humanas, não importa se usadas em pesquisas ou para reprodução. No momento, a Inglaterra é o único país do mundo que abriu uma brecha para a clonagem: permite experiências com embriões clonados para fins terapêuticos, com o objetivo de pesquisar a cura de doenças como o mal de Parkinson e produzir tecidos de órgãos vitais em laboratório para facilitar transplantes.

A chamada clonagem terapêutica parte do estudo das células-tronco, que são células não-diferenciadas com potencial para se transformar em qualquer tipo de célula ou tecido do organismo – desde neurônios até células epidérmicas, sangüíneas ou musculares. Elas existem em pequena quantidade no indivíduo adulto, espalhadas por todo o corpo, mas constituem o embrião com poucos dias de idade, quando ele ainda é um conjunto de células totalmente iguais, sem nenhuma especialização.
A idéia é usar a técnica de transferência de núcleo (a mesma que originou Dolly) para criar um embrião clonado e extrair dele as células-tronco, descartando o que não for aproveitado. Imagine um indivíduo com o fígado

parcialmente comprometido. O núcleo de uma célula saudável desse paciente seria colocado no óvulo anucleado de uma doadora. A partir daí, haveria um embrião, geneticamente idêntico ao paciente, cujas células-tronco seriam colhidas. Essas células evoluiriam para um tecido saudável de fígado, posteriormente transplantado para o paciente (em substituição ao tecido doente). O restante daquele clone seria descartado.
A clonagem terapêutica elimina toda ameaça de incompatibilidade, problema comum nos transplantes tradicionais. Mas o fato de o embrião ser jogado fora, depois de ter suas células-tronco aproveitadas, traz de volta a discussão sobre a ética do processo, como no debate em relação à clonagem humana para fins reprodutivos. “Trata-se de um ato de canibalismo criar um embrião, que já é uma vida, somente para utilizar suas células, mesmo que seja com o propósito de curar um indivíduo adulto”, diz o monsenhor Elio Sgreccia, do Vaticano. “Não vejo problema moral em desenvolver um embrião para aproveitar suas células-tronco”, afirma o bioeticista Volnei Garrafa, da UnB, contra a clonagem reprodutiva mas a favor da terapêutica. “A questão, nesse caso, é religiosa e não ética.”
Os grupos pró-vida – que são contrários à clonagem humana tanto quanto são contra o aborto ou a eutanásia – sugerem que os pesquisadores, em vez de utilizarem células-tronco embrionárias, invistam na tentativa de reprogramar células adultas para que se tornem células-tronco. As descobertas nessa área são recentes. “Por enquanto, nossas experiências se restringem a estudos com ratos. Mas já temos resultados publicados em que células-tronco do sangue de um indivíduo adulto geraram células do fígado, do intestino, do músculo e até neurônios”, diz o médico Steve Bartelmez, professor assistente de patologia da Universidade de Washington que, há 15 anos, estuda células-tronco sangüíneas e seu uso na recriação de tecidos de órgãos como o coração, por exemplo, em laboratório. De qualquer modo, a clonagem terapêutica ajudaria somente a reparar tecidos comprometidos, mas jamais órgãos inteiros, como o rim. “Nenhum órgão, com exceção da pele, pode ser recriado fora de um animal”, afirma.
Se a sabedoria popular já recomendava ir com calma na hora de discutir assuntos como religião, política e futebol, use essa mesma prudência quando entrar num debate sobre clonagem humana. Argumentos a favor ou contra não faltam; mas ainda não existem respostas definitivas para muitos dos resultados positivos ou negativos obtidos nas experiências com clonagem reprodutiva ou terapêutica. “O limite está na prudência, na avaliação dos riscos e dos benefícios”, diz o médico Marco Segre, especialista em bioética da USP.

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